sábado, 11 de julho de 2009

As mil caras do medo

Quem está neste mundo não poderá deixar de sentir o medo. Uns disfarçam melhor que outros. Outros escudam-se por detrás de pseudo-poderes que lhes dão a ilusão de passar ao lado do medo. Mas ninguém o consegue evitar. O medo não vem do exterior mas sim do interior de cada ser humano.

O que é o medo? Nada. Mas todos o sentimos. O medo é um estado mental e origina-se na culpa inconsciente, também mental. Ninguém pode ver o medo, mas todos podem senti-lo porque ele arvora na nossa consciência.

O medo manifesta-se neste mundo concreto em coisas e situações concretas. Mas elas meramente espelham o nosso estado mental de medo. Pode manifestar-se sob a forma de um ataque de pânico, que nos paralisa e parece que vamos morrer ou através duma simples angústia.

Qual a origem do medo? A crença na morte. Todos os medos, seja eles quais forem, são filhos desse medo. Se não tivessemos medo da morte de que teríamos medo?

Analisemos um pouco a base do medo.
Acreditamos que somos o que já passou. As memórias de todas as experiências que já vivemos. Será possível sermos o que já não existe? Sermos uma memória?

Se nós somos o passado, quem é a pessoa que está no presente a observar o que já passou? Não poderá ser o passado, pois o passado não se observa a si mesmo. Então quem parece morrer (desaparecer) é o personagem que pensávamos ser, do passado. O observador desse personagem nunca poderá morrer porque não tem passado. Porquê então o medo? Porque vemos a nossa vida através dos cinco sentidos do personagem do passado que nunca é real, mas imaginado em cada momento. O medo é então, a sensação de ser o personagem do passado, que só existe porque acreditamos na sua existência, baseada num passado que já passou e que por isso tem medo de desaparecer a qualquer momento.

Sem que o saibamos, pensamos os nossos pensamentos, com um sistema que nos dá uma consciência conceptual limitada de nós mesmos. Analogamente, a um sistema operativo de um computador, esse sistema faz-nos acreditar num mundo conceptual, em que tudo tem um princípio e um fim. Esse sistema está em todas as mentes. É por isso que todos podemos ver as mesmas coisas. Todos podemos ver este mundo.

Por isso, chamamos vida ao oposto da morte. Mas uma coisa que é, não pode deixar de ser aquilo que é, senão não é, o que diz ser. A vida não pode deixar de ser vida, senão não é isso que diz ser. A vida não tem oposto, senão não se pode chamar vida. A vida neste mundo não pode ser o que diz ser, pois termina na morte. A morte é o desaparecer do passado. Do que não existe. O ser presente, esse continua a ser. Sempre.

A crença na morte é a base do medo neste sistema de pensamento, e é-nos comprovada diariamente através dos nossos cinco sentidos. No entanto, devemos compreender que os cinco sentidos foram feitos para testemunhar ao observador, o que ele acredita no seu íntimo. Sendo assim, e uma vez que acreditamos ser um ser individual, composto por um corpo físico e por um corpo psicológico, os nossos cinco sentidos atestam essa realidade. E fazem-no tão bem, que é quase impossível duvidar da sua realidade. Quando estamos a sonhar, normalmente não sabemos que o estamos a fazer. E para onde vai o nosso personagem (corpo) de sonho quando acordamos? E que importância teve?

Neste mundo, tudo gira à volta do corpo. O corpo é o herói de todas as aventuras. Quando um corpo se encontra com outro, conta-lhe as suas aventuras e as coisas que outros corpos lhe fizeram. Todos vivem para satisfazer as necessidades do corpo. Mas o mais interessante é que, o corpo nem sequer sabe que existe. Não tem vontade própria, nunca sabe onde está ou o que está a fazer.

Todos possuimos um corpo. Tal como quase todos possuimos um carro. Dizemos "o meu corpo" e também dizemos "o meu carro". O carro sabe o caminho de casa? E o corpo? Então quem dirige ambas as coisas?

Um objecto não tem consciência deste artigo. Mas alguém tem. Se tem consciência do que está a ler, então não é possível que a sua verdadeira identidade seja o seu corpo, o qual não tem consciência.

Pode identificar-se com ele, como o faz num cinema com o personagem dum filme, mas isso apenas significa que, temporariamente, se identificou com um personagem duma história. A vida que está a viver, é a história que está a contar a si próprio. A vida deste mundo pode comparar-se a uma história temporária vivida por um personagem dum filme. Quando saimos do cinema, libertamos os restos do apego emocional a esse personagem do filme. E isso é tudo o que resta dessa realidade ilusória.

O nosso maior medo não pode ser então, o medo de morrer, pois isso não é possível ao ser eterno que somos. O nosso verdadeiro medo, induzido pelo sistema de pensamento que usamos, é do despertarmos para a realidade de que não somos. Um corpo que vive um pouco, procura desesperadamente sobreviver e depois de passar uma vida a resolver problemas, morre. Estamos convencidos que o fim da nossa individualidade será o fim da nossa existência. A nossa morte.

No entanto, a realidade é um facto. A realidade é. A morte é um conceito e por isso não é real, mas sim uma ilusão conceptual.

Neste mundo funcionamos como se fossemos um ser divino, amnésico, que pensa ser um objecto, exilado num mundo de limitação e de separação de objectos. Um mundo em que só pode fazer o que é suposto um corpo fazer. Que pode morrer em qualquer momento. E que está sujeito a leis superiores que ditam a vida e a morte. A sorte e o azar. Não admira que estejamos cheios de medo.

E se tudo fosse um equivoco de identificação mental? E se estivessemos na nossa cama divina, a sonhar com uma realidade, a sonhar a um pesadelo, onde parecemos morrer e estar separados uns dos outros? Isso explicaria a nossa sensação de vazio e solidão?

Todos os medos devem ser enfrentados para poderem ser ultrapassados. O medo é um pensamento equivocado não questionado, e ultrapassa-se aceitando na nossa consciência a imagem desse medo, para lhe retirar a influência que tem sobre a nossa vida. O facto de não aceitarmos, temporariamente, na nossa consciência a imagem do que temos medo, é o que nos faz sentir o medo.

Devemos fazer uma lista dos nossos medos, e fazer para cada um deles, o seguinte exercício: escolhemos um determinado momento em que estejamos seguros de que ninguém nos irá incomodar e concentramo-nos no nosso interior. Deixamos nesse momento, que venha à nossa mente, a imagem do que pensamos que nos pode acontecer, nessa situação e que queremos evitar a todo o custo. Permitimo-nos então, nesse momento, sentir totalmente o que estamos a sentir. Não fugimos das emoções que começam a surgir. Deixamos que todas as emoções, medos, se manifestem e ficamos ali a observá-las, sem as querer afastar. Sem querer fugir delas. Depois, dirigimos o nosso pensamento para um nível superior e dizemos mentalmente, “Quero uma outra maneira de olhar para isto”. Devemos repetir esse passo, até nos sentirmos tranquilos perante a imagem da situação de que tememos. Alguns dias depois, podemos voltamos a examinar essa situação, para eliminar alguns restos desse medo que ainda possam existir. Esse medo será irradicado das nossas vidas, quando pensarmos nisso e não sentirmos medo.

O medo tem mil caras porque precisa de todas delas para nos amedrontar. O mesmo medo, mas em muitas manifestações para nos iludir. O medo é um pensamento equivocado e os pensamentos mudam-se.

Se soubesse inequivocamente que estava a sonhar, de que teria medo?







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